OS 144 MIL
No Livro de Apocalipse, os juízos divinos são executados, sobre a Terra,
com a abertura de sete selos, o toque de sete trombetas e o derramar de sete
taças. Entre o sexto e sétimo selo que lacram o livro, no qual se encontram
registrados esses juízos, o Apóstolo João descreveu duas visões. Uma referente
a 144 mil pessoas “de todas as tribos de Israel” que recebem, em suas testas, o
selo que as identificam como “servos de nosso Deus”. E outra relativa a “uma
grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e
línguas, em pé, diante do trono e do Cordeiro” (Apocalipse 7).
Essas visões encontram-se no capítulo sete de Apocalipse. Muitos veem
nelas dois grupos de pessoas: Israel e as pessoas salvas na Grande Tribulação,
pois a Igreja já estaria com Cristo, visto que foi arrebatada, secretamente,
antes do início desse tempo de sofrimento. De acordo com Horton (2016, p.971)
essa é a interpretação do “pré-milenarismo dispensacional”, criado por John
Nelson Darby (1800 - 1882), ministro da Igreja Anglicana da Irlanda. No
entanto, para Horton, Baesley-Murray (2009, p.2148) e muitos outros estudiosos
“essa é uma interpretação duvidosa”.
Os pré-milenaristas dispensacionalistas pensam assim porque interpretam
a Bíblia a partir de um sistema dispensacional com sete dispensações, sendo o
milênio (Apocalipse 20:1-6) uma dessas dispensações. De fato, Paulo fala “da
dispensação da graça de Deus” (Efésio 3:2), o que pode levar a inferir-se uma
dispensação da Lei, mas nada além disso. Falar de sete dispensações é forçar a
interpretação do texto e criar um sistema artificial de entendimento da
Escritura. Outra razão para entenderem essa passagem desse modo é a ênfase que
dão à nítida distinção entre Israel e a Igreja. Para eles, após o arrebatamento
da Igreja, terá início a Grande Tribulação, quando Deus então voltará a tratar
com Israel.
Baesley-Murray, contudo, entende que Apocalipse 7:1-8 não diz respeito a
Israel, antes à Igreja que não foi arrebatada e que se encontra na Grande
Tribulação. É preciso que se entenda que o último livro da Bíblia foi escrito
num gênero literário altamente simbólico que usa com frequência imagens do
Antigo testamento (CARSON, MOO e MORRIS, 2006, p.533). Assim, ele não pode ser
entendido literalmente e sua interpretação precisa considerar as formas de ler
esse tipo de literatura. Para Baesley-Murray (2009, p.2148), João tinha em
mente uma imagem comum aos primeiros cristãos de que a Igreja é o Israel de
Deus, conforme Romanos 2:28,29, Gálatas 3:29 e 6:16, Filipenses 3:3, 1Pedro 1:1
e 2:9.
O Apóstolo Paulo também pensa assim. Falando aos Romanos, ele disse que
“todo o Israel será salvo” (Romanos 11:26). Não se sabe quando isso acontecerá,
mas o sentido dessa afirmação é que a nação israelita, um dia, receberá a Jesus
Cristo como o Filho de Deus, o Messias esperado e juntar-se-á às fileiras da
Igreja. Assim sendo, pode-se entender que as duas visões de Apocalipse 7
referem-se à Igreja de Cristo. Visto que “não há judeu nem grego... todos são
um em Cristo Jesus (Gálatas 3:28). Por essa razão “agora, as designações-chaves
do povo de Israel ‘raça eleita, sacerdócio real, nação santa , povo de
propriedade exclusiva de Deus’ (Êx 19.6; Dt 7.6; 10.15; Is 43.20; 61.6; 66.21;
Ml 3.17) são aplicadas a todos os que têm fé em Cristo (1Pe 2.9)” (HORTON, 2016,
p.991).
O objetivo do selo na testa dos 144 mil, identificando as pessoas que
seguem a Cristo, era para protegê-las dos juízos divinos. No capítulo nove, por
exemplo, João fala de uma nuvem de gafanhotos que tinham poder como os
escorpiões para ferir as pessoas “que não tinham o selo de Deus na testa”. Por
essa passagem e por muitas outras, nota-se os santos de Deus, isto é, a Igreja
na Grande tribulação, dando testemunho de Cristo. Por que Deus tiraria da Terra
aqueles que foram chamados para ser “luz do mundo” e “sal da terra”, no momento
mais crucial da história da redenção? Esse número, 144 mil, representa a
totalidade dos fiéis em meio à tribulação, que é uma multidão incontável.
Observe o que disse Jesus: “imediatamente após a tribulação daqueles
dias o sol escurecerá, e a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu, e
os poderes celestes serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do
homem, e todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo
do céu com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com grande som de
trombeta, e estes reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma a outra
extremidade dos céus” (Mateus 24: 29-31). Veja que só no fim da Grande
Tribulação Cristo vem para reunir os seus eleitos, e, também, não há menção a
um “arrebatamento secreto”. Pelo contrário, os servos do Senhor serão reunidos
“com grande som de trombeta” e toda a terra verá Jesus, na sua glória, fazendo
isso.
A Igreja precisa preparar-se para os eventos futuros da profecia
bíblica. É sabido que ninguém que falar isso, mas é preciso que se diga: seguir
a Cristo envolve certo ônus. O Apóstolo Paulo disse: “se somos filhos, somos
herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, se de fato participamos
dos seus sofrimentos, para que também participemos de sua glória (Romanos
8.17). Em outra oportunidade, dirigindo-se aos Filipenses, que passavam por
certas lutas e dificuldades, disse: “a vocês foi dado o privilégio de não
apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele, já que estão passando pelo
mesmo combate que me viram enfrentar e agora ouvem que ainda enfrento”
(1:29,30).
Antônio Maia – M.Div.
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