CIÊNCIA E REVELAÇÃO
Quando pela primeira vez, após a Queda, o homem tomou consciência de sua
existência no mundo, ele procurou meios para entendê-la e explicá-la. Deve ter
se perguntado algo como Blaise Pascal (2002, p.67) questionou, em sua obra
Pensamentos: “quem me colocou aqui? Por obra e ordem de quem este lugar e este
momento foram destinados a mim?” Discorrendo sobre essa questão, em meu livro O
Homem em Busca de Si [1], apresento esses meios. Inicialmente a mitologia e a
religião, depois, meios mais elaborados e fundamentados na razão e na
experiência, a saber: filosofia e ciência. E por fim, um meio que não é
propriamente humano: a Revelação divina.
A ciência, junto com a mitologia e a religião, foi um dos primeiros
meios que o homem criou para entender o mundo. De acordo com o historiador da
ciência, britânico, Hart-Davis (2016, p.18), ela surgiu, entre os sacerdotes
sumérios, há quatro mil anos antes de Cristo. Mas, só depois que o estudioso
Francis Bacon (século XVI) sugeriu introduzir, em seu método, a indução e a
experimentação é que ela apresentou grande desenvolvimento, a ponto de resolver
questões complexas que a religião e a filosofia, inutilmente, tentaram
solucionar por séculos (MONDIN, 2012, p.129).
Hoje, a confiança nela é de tal ordem que o conhecimento científico é
tido como o único capaz de chegar à verdade sobre o homem e o universo.
Contudo, importantes filósofos da ciência entendem que as coisas não são bem
assim. Para esses estudiosos, a ciência pode obter, no máximo, uma aproximação
da verdade e não o conhecimento absoluto. Karl Popper, considerado um dos
maiores filósofos da ciência do século XX, fala que “há excelentes razões para
dizer que o que temos em ciência é descrever e (até onde possível) explicar a
realidade. Fazemo-lo com a ajuda de teorias conjecturais; isto é, teorias que
esperamos sejam verdadeiras (ou próximas da verdade), mas que não podemos
firmar como certas [...]” (POPPER apud ZILLES, 2016, p. 209).
Assim, embora a ciência tenha seus méritos e constitua importante
esforço humano para entender os mistérios do homem e do mundo, ela é, contudo,
um meio precário e incompleto. O cientista é como alguém procurando uma agulha
num palheiro. Não compreende plenamente os elementos que manuseia. Embora
existam cientistas cristãos, muitos, contudo, repudiam a Revelação. Tal fato é
compreensível, pois a ciência produz uma visão mecanicista e materialista do
mundo. A ciência lida com o concreto, com o que a percepção humana é capaz de
captar. Ela, porém, não alcança as instâncias imateriais do ser humano.
Mas como a ciência estuda o homem e o universo, que são obras divinas,
percebe-se, mesmo que implicitamente, elementos da Revelação divina nos
conjuntos teoréticos da mitologia, da religião, da filosofia e da ciência. A
Revelação existe por causa da Queda. Ao afastar-se de Deus, por uma decisão
pessoal, o homem teve sua essência alterada. Seu corpo e espírito entraram em
descompasso de existência e passaram a progredir em uma trajetória que culmina
na morte. Um processo de alienação instalou-se, em seu ser, de modo que ele se
tornou alheio a Deus, ao próximo e a si mesmo. Agora, ele se ver perdido em um
imenso universo, um mundo marcado pela violência, pecado e idolatria [2]. Sua
morte, que a cada dia se aproxima, torna-o cada vez mais uma incógnita para si
mesmo.
Assim, o ser humano busca, nesses meios, um sentido para sua existência
no mundo. Mas uma análise realista da questão mostra que tais caminhos
(mitologia, religião, filosofia e ciência) não explicam, até hoje, essa questão
humana. A ciência, por exemplo, quanto mais estuda, mais descobre a grandeza do
mistério do objeto de sua pesquisa. Resta, então, a Revelação, mas ela está
revestida de um manto de improbabilidade do ponto de vista da lógica humana.
Segundo o Apóstolo Paulo, Deus “escolheu o que para o mundo é insignificante,
desprezado e o que nada é, para reduzir a nada o que é, a fim de que ninguém se
vanglorie diante dele” (1Coríntios 1:28,29). A Revelação divina foi dada a
homens humildes, alguns até poucos instruídos, de uma insignificante província
do império romano. Jesus Cristo, o Filho de Deus, nasceu em uma estrebaria e
foi colocado em um coxo para dormir. A primeira vez que entrou em um palácio
foi para ser torturado e, depois, conduzido à morte em uma cruz.
Desse modo, só chegam aos mistérios de Deus, do homem e do universo
aqueles que percorrem o caminho inverso à lógica humana. Por isso é tão difícil
crer. O homem precisa entrar em um processo de renúncia de sua argumentação e
receber um conhecimento que é racional até certo ponto, mas que, a partir daí,
mergulha no absurdo, na irracionalidade, pois tal conhecimento trata de uma
realidade de existência que transcende o mundo da matéria. Então, é preciso
fazer como os apóstolos Pedro e Paulo fizeram. Pedro disse: “nós deixamos tudo
para seguir-te” (Marcos 10:28). E Paulo falou: “mas o que para mim era lucro
passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso,
considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de
Cristo Jesus, ... Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo...”
(Filipenses 3:7,8).
Mas, o que é, então, a Revelação divina? “A Revelação divina é o milagre
em que o Transcendente toca, de leve, o mundo físico e se torna, nele,
imanente. Em que pese o assombro e a magnitude desse processo, ela constitui,
apenas, uma tangência ao mundo da matéria, pois a realidade humana não comporta
o esplendor daquele que se revela. Assim, o conhecimento proveniente da
Revelação tem que se revestir de categorias humanas para ser compreendido e
assimilado, pois fala de conceitos que transcendem à realidade do mundo
material” [3]. A Revelação é um movimento de amor de Deus em direção ao homem,
cujo clímax ocorre na pessoa do Filho, Jesus Cristo, em quem “estão escondidos
os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2.3). Só por ela o
homem pode entender o sentido de sua existência e retornar à sua condição
original de ser. Mas isso só é possível pela fé.
Antônio Maia – M. Div.
Direitos autorais reservados
HART-DAVIS, Adam et. al. O Livro da Ciência. São Paulo: Globo, 2016.
[1], [2], [3] MAIA, Antônio. O Homem em Busca de Si. amazon.com.br,
Brasil.
MONDIN, Batista. Curso de Filosofia – volume 3. São Paulo: Paulus, 2012.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. Ed Abba Press, São Paulo, 2002
ZILLES, Urbano. Panorama das Filosofias do Século XX. São Paulo: Paulus,
2016.
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