PRECISAMOS DE DEUS E DO PRÓXIMO PARA SERMOS NÓS MESMOS
Sim, é isso mesmo. Precisamos de Deus para sermos nós mesmos e compreender-nos como um ser no mundo. Sem Deus, na base de nosso pensamento, somos um ser indefinido. Desconhecemos nossa origem e o destino que nos espera, após a morte. A própria morte é para nós um mistério. Por que nascemos para morrer? Qual o sentido da vida? Qual o propósito da existência? O que é o homem? É verdade que as pessoas, mergulhadas na agitação da vida, não pensam nessas coisas. Mas, nos momentos de autorreflexão, pensam. Também os estudiosos pensam, refletem e pesquisam sobre essas questões.
O importante matemático, filósofo e teólogo cristão Blaise Pascal foi um desses estudiosos que se debruçaram sobre esse assunto. Ele escreveu, em sua obra Pensamentos: “quando penso na pequena duração de minha vida, absorvida na eternidade precedente e seguinte e no pequeno espaço que ocupo, fundido na imensidade dos espaços que ignoro e que me ignoram, espanto-me e assombro-me… Quem me colocou aqui? Por ordem e obra de quem este lugar e este momento foram destinados a mim?... O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora” [1].
Essas palavras desse pensador francês mostram, muito bem, que o ser humano é um mistério para ele mesmo. Mas as sagradas Escrituras revelam que o homem foi, originalmente, criado por Deus, perfeito. No início, antes da Queda, ele era justo, santo e dotado de conhecimento sobre si, o mundo e Deus. Após o pecado original, ele perdeu tudo isso. O homem não é mais justo, isto é, não vive mais conforme a vontade de seu Criador. Não é mais santo, isto é, não é mais separado, dentre os outros seres vivos, para a vida com Deus. Por não ser mais justo, perdeu a santidade e mergulhou na devassidão e na barbárie.
O homem era, ainda, antes do primeiro pecado, dotado de vida eterna e liberdade. Esses aspectos do ser humano podem ser observados na ordem divina que diz: “não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá” (Gênesis 2.17). Note que só morreria se comesse da árvore, logo era dotado de vida eterna. Como ele comeu o fruto proibido, mesmo Deus recomendando para não comer, conclui-se que ele era livre para tomar decisões.
Esses aspectos do ser do homem original são alvos da obra redentora de Cristo, cujo objetivo é restaurar o homem pecador à sua condição inicial. Por essa razão, o Apóstolo Paulo, escrevendo aos cristãos de Éfeso recomenda que eles se revistam “do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade” (Efésios 4.24). Também, esse mesmo Apóstolo, escrevendo aos Colossenses recomenda que eles abandonem o velho homem e se revistam “do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador” (Colossenses 3.10).
O ser humano, então, em sua vida inicial, era justo, santo, dotado de conhecimento, eterno e livre. Mas, ele perdeu esse estado de perfeição ao desobedecer o seu Criador e se tornou esse ser que é hoje. O Apóstolo Paulo disse que os homens “...tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus… tornaram-se cheios de toda a sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicĩdios e rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus… (Romanos 1.30).
Está claro, desse modo, que o homem se perdeu de si mesmo ao afastar-se de Deus. O importante teólogo, africano, e Bispo de Hipona, Agostinho (334 - 430 d.C.), em sua obra “Confissões”, escreveu: “por isso para mim é bom prender-me a Deus porque, se não permanecer nele, também não poderei continuar em mim” [2]. Essas palavras desse teólogo e filósofo Cristão mostram que ele entende que só somos nós mesmos, se estivermos conectados com Deus. E essa é a razão da obra de Jesus, na cruz: reconectar o homem com Deus. Por isso Ele disse: “necessário vos é nascer de novo” (João 3.7), isto é, nascer para Deus, nascer para as coisas espirituais.
Mas, além de Deus, precisamos do nosso semelhante para sermos nós mesmos. Sim, o ser humano não se define na solidão. Ele foi criado para a vida de comunhão com Deus e com os seus semelhantes. Imagine uma pessoa que, de repente, se percebe sozinha no planeta Terra. Ela olha para todos os lados e não vê ninguém. Ela passa toda a sua vida caminhando pelo planeta e não encontra nenhum outro ser que lhe corresponda. Então, olha para si mesmo e não compreende a razão de sua existência. Não há sentido na vida sem Deus e sem o próximo, pois o ser humano só se define na relação com Deus e o outro.
Por esse motivo, o ser humano precisa do outro para ser ele mesmo e compreender-se como ser no mundo. O médico se entende como um doutor, no paciente. O professor se percebe como um mestre, no aluno. A mãe se sente mãe, no filho. Fomos criados, misteriosamente, ligados uns aos outros. Se pessoas morrem, em uma catástrofe, no outro lado do mundo, ficamos consternados. De algum modo estamos ligados a elas. É verdade que, por causa do pecado, as pessoas estão alheias umas às outras, mas, em momentos especiais, essa indiferença some e, sim, nos importamos com os outros.
Certa vez, perguntaram a Jesus qual era o maior mandamento. Então, Ele respondeu: “ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: ame o seu próximo como a si mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22.36-40). De fato, a análise dos “Dez Mandamentos” (Êxodo 20) revela que eles se referem, somente, a Deus e aos homens.
Essas palavras de Jesus constituem uma síntese dos “Dez Mandamentos”, que mostram que o homem foi criado para a vida de amor a Deus e ao próximo. Contudo, segundo o Apóstolo Paulo, os seres humanos “estão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento de seus corações” (Efésios 4.18). Mas aqueles que se voltam para Deus e o recebem, em seu íntimo, pela fé no Filho, Jesus Cristo, Ele lhes concede “o direito de se tornarem” seus filhos (João 1.12). Estes passam a desfrutar da graça da comunhão com os outros e com Aquele que os criou, removendo o véu do mistério de si mesmo.
Antônio Maia - Ph.B., M. Div.
Direitos autorais reservados
[1] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo-SP. Ed Abba Press, 2022, p.67
[2] AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. Petrópolis-RJ. Ed. Vozes, 2011, p.154
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